Emprego em dólar, CEP brasileiro

Andre Cesar

globo EUA e BR

Moram em Recife, Belém, Joinville, Belo Horizonte, Salvador. Às vezes em cidades bem menores, como Araras (SP) ou São Miguel do Gostoso (RN). Mas trabalham em inglês, entregam metas em horário do Pacífico e são pagos em dólar. Um movimento silencioso e potente está em curso: o de brasileiros que moram no país, mas já fazem parte da força de trabalho dos Estados Unidos — com a diferença de que não precisam cruzar a fronteira para isso.

A aceleração veio com a pandemia, mas o modelo continua crescendo. Quem explica é Henry Novaes, CEO da Kaptasglobal, uma empresa americana criada por um brasileiro justamente para intermediar esse tipo de contratação. Segundo ele, o número de profissionais brasileiros trabalhando remotamente para empresas americanas saltou a partir de 2020 — especialmente nas áreas de tecnologia, vendas, marketing e operações. “Hoje, entre 60 e 80 mil profissionais de tecnologia já atuam nesse modelo. E o potencial é cinco vezes maior”, afirma Henry.

Mais do que um fenômeno econômico, trata-se de uma reconfiguração cultural. Não estamos falando da elite expatriada nem de fuga de cérebros. São pessoas que optaram por uma vida com sotaque local e renda global. E que descobriram que, ao ganhar em dólar e gastar em real, dá para manter os vínculos com o Brasil — e ainda ampliar a carreira, o repertório e o saldo bancário.

Esse modelo remoto também redesenha o mapa das oportunidades. Profissionais longe do eixo Rio-São Paulo, antes invisíveis para o mercado internacional, agora disputam vagas lado a lado com candidatos do mundo todo. E com vantagem: além da qualificação técnica, o Brasil oferece fuso compatível, cultura de trabalho semelhante à americana e salários mais competitivos do que os pagos a colegas norte-americanos.

É verdade que o inglês ainda limita parte dos candidatos — mas mesmo isso está mudando. O “inglês profissional”, mais técnico do que fluente, já basta para a maioria das funções. E para quem quer crescer dentro da estrutura da empresa, mais cedo ou mais tarde, o visto de trabalho se torna um caminho.

O que antes era exceção agora parece tendência. Como diz Henry, “o brasileiro que entende que pode ser global sem sair da cadeira vai mais longe”. Pode até não mudar de país. Mas já mudou de mundo. E se o dólar sobe, o salário também. Em 2023, por exemplo, quem recebia US$ 3 mil viu o valor em reais crescer cerca de 20% só com a variação cambial — sem nenhum reajuste no contracheque.