Somos livres, certo? Vivemos em uma democracia, temos direito de ir e vir, liberdade de expressão, livre iniciativa… Bem, talvez muitos não concordem, mas estas afirmações são tidas como verdadeiras. Pelo menos é assim que quem detém o poder nos faz acreditar.
Mas em uma análise um pouco mais detalhada, com certo distanciamento, percebemos que, nos tempos atuais, está difícil ter autonomia, principalmente a autonomia de pensamento. Depois que a felicidade virou produto de consumo, tornamo-nos escravos dos nossos desejos e pseudoaspirações. O estímulo constante (e muito eficaz, por sinal) a uma vida fabricada, feita para agradar e servir de instrumento de inclusão em uma sociedade idealizada, tira nossa real capacidade de percepção. Daí é fácil concluir que aos poucos estamos perdendo nossa autonomia.
A massificação proposta pela cultura do consumo nos faz acreditar que temos total poder sobre nossas decisões. Mas este argumento cai por terra quando levamos em conta que nos transformaram em um número, um algoritmo. “Quando algo é de graça, o produto é você!”. Essa deveria ser a verdadeira definição do que são as redes sociais e toda a cadeia virtual de relações a qual pertencemos e nos embrenhamos cada vez mais.
Mas muita gente ainda está longe de entender e aceitar que é exatamente assim que tem funcionado. Infelizmente, cada vez mais somos influenciados na tomada de decisões a respeito de tudo o que fazemos. Desde o que comer no café da manhã, como se comportar em uma reunião no trabalho ou num encontro amoroso, até em quem votar para decidir os rumos de onde vivemos. Não tem como não sermos influenciados. Não vivemos na proteção de uma bolha e é normal que utilizemos as informações ao redor para pautar escolhas.
O problema é que a manipulação e a disputa por nossa atenção (e nosso bolso) são tamanhas que já não sabemos mais o que é nossa real vontade e onde começam as necessidades impostas e estimuladas pelo mercado. Não se trata de acreditar em uma conspiração que nos persegue para nos vitimar. Mas o fato é que muito do que fazemos é fruto de hábitos que criamos com base nas mensagens subliminares que bombardeiam nosso cérebro o tempo todo.
A padronização do pensamento e da ação gera a necessidade de nos enquadrarmos em um determinado grupo, tendência ou ideologia, mesmo sem estar seguros de nossas convicções. Vale tudo para obter o aval do outro e a sensação de inclusão, embora esse próprio mecanismo nos mostre que isso é uma utopia.
O modelo de interatividade no qual estamos inseridos vem remodelando nossa percepção de mundo. Não se pode generalizar, mas sem perceber estamos ficando indiferentes à vida real e nos tornamos uma versão idealizada de nós mesmo, acreditando que isso seja autonomia, quando na verdade é somente o resultado da alienação. Há quem diga que já vivemos em um sistema de escravidão moderna, em que o que está aprisionado não é mais o corpo e sim a mente.
Por outro lado, não se pode ter uma visão reducionista e achar que todo receptor da informação consome tudo sem questionar. Felizmente, tem muita gente já se tocando que é preciso se libertar da ideia superficial de autonomia e apostar em uma reflexão um pouco mais crítica de tudo que nos cerca.
Não é preciso se rebelar ou virar um opositor radical do sistema. Basta buscar o meio termo, avaliar o que é realmente autêntico e se guiar mais pelo próprio pensamento. Usar as próprias experiências, os erros inerentes à jornada, razão e bom senso ajudam muito a fugir das armadilhas. Autonomia de verdade é para corajosos, e dá trabalho. Muito trabalho.
Fabiano F. é jornalista e autor de livros de autodesenvolvimento, como o “Enfrente”, de onde este texto foi extraído. Email: fabianoescritor@gmail.com