Rerbon: filho de vinil, briga de verdade

Andre Cesar

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Tem um movimento em curso no Brasil que parece ficção, mas é real — e ocupa cada vez mais espaço no debate do dia a dia. Tem mulher levando reborn no colo até o altar, exigindo bênção do padre. Tem quem leve ao pediatra, querendo atendimento. Ou ao fórum, buscando direitos. O tema já chegou às câmaras de vereadores, assembleias legislativas e até ao Congresso. O bebê reborn, que começou como arte e virou consolo, agora está no centro de uma discussão que mistura afeto, saúde mental, fé, serviços públicos e até jurisprudência. O boneco hiper-realista de vinil, que parece respirar e dormir como um recém-nascido, já não cabe mais apenas nos berços: virou ponto de atrito entre o que se sente e o que o Estado deve reconhecer.

No Piauí, um pároco foi procurado e anunciou que não batiza boneca. Em São Paulo, a prefeitura precisou lembrar que assento preferencial em ônibus é para quem carrega bebê de verdade. Em Salvador, um casal disputa na Justiça a guarda de um reborn comprado junto, numa relação que já acabou. E há relatos de pedidos de pensão. Na outra ponta, defensoras emocionadas cobram atendimento médico e espaço nas creches públicas. “É meu filho do coração”, diz uma mãe de reborn, num dos muitos vídeos que circulam pelas redes.

O bebê não é real — mas a comoção, sim. E isso não encerra a conversa. Multiplicam-se diagnósticos e discussões sobre o uso terapêutico dos reborns: seriam válvulas de escape? Projeções de luto não resolvido? Instrumentos de cuidado mental? Ou tudo isso junto? O mercado cresce, os vídeos viralizam, e o poder público corre atrás para entender onde termina a fantasia e começa a responsabilidade.

Projetos de lei já chegaram a assembleias estaduais e ao Congresso Nacional, tentando regulamentar a interação entre adultos e bonecos como se fossem filhos. Enquanto isso, muitos profissionais de saúde mental pedem cautela: “Reborn não é criança, mas também não é apenas brinquedo”, diz uma psicóloga especializada em lutos prolongados. O problema não está em quem cuida do boneco, dizem, mas em quando esse cuidado passa a exigir do mundo o mesmo reconhecimento dado à maternidade real.

Porque, do lado de cá da realidade, o Brasil ainda tem mais de quatro mil crianças e adolescentes de verdade vivendo em instituições de acolhimento, à espera de uma família. Crianças que choram, brincam, crescem — e não saem de fábrica.