COVID-19 no Brasil e Estados Unidos: duas tragédias preveníveis 

Eduardo Siqueira

Após mais de seis meses da pandemia da COVD-19 temos suficientes dados e informações para avaliar como os presidentes Trump e Bolsonaro, os governadores e prefeitos do Brasil e Estados Unidos (EUA) implementaram medidas para controlar a transmissão do Coronavírus. 

Há alguns meses escrevi um artigo para uma revista brasileira onde fiz avaliação da evolução da epidemia nos EUA nos primeiros meses de 2020. Intitulei o artigo “Vírus pelo Elevador, Resposta pela Escada” para resumir o aspecto central da insuficiente e equivocada resposta do governo Trump, isto é, o vírus se disseminava muito mais rapidamente que o controle da transmissão pelas autoridades e serviços de saúde pública. Para controlá-la era fundamental saber quem estava infectado e onde através de testagem de grande número de pessoas para isolar os que fossem positivos para o vírus e rastrear os contatos desses. O nome técnico para este tipo de atividade de saúde pública é vigilância epidemiológica. Uma boa vigilância epidemiológica pressupõe a existência de atenção básica ou primária de boa qualidade, onde grande número de agentes comunitários de saúde visita domicílios, testam a população, detectam os casos positivos e os isolam em locais seguros. Nem nos EUA nem no Brasil isto ocorreu. 

Nenhum dos dois países estava preparado para controlar essa epidemia, que exigia grande infraestrutura de testes, equipamentos de proteção individual (EPIs), serviços de saúde, e recursos humanos como médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem, entre outros, além de sólida e contínua cooperação entre os governos estaduais e municipais coordenada pelo governo federal de ambos os países. Sem falar na óbvia necessidade de profundo compromisso dos governos com a saúde de seus povos, que elegeram presidentes para enfrentar todos os problemas vividos pela população, sem qualquer distinção ou discriminação.

Infelizmente vimos justo o contrário. Foram tantos os erros cometidos nos dois países que fica difícil escolher onde começar. Sem esgotar o assunto, aponto algumas questões que explicam por que a prevenível tragédia de mortes ocorreu e continua sem fim no horizonte. Aqui me concentro no nível federal:

  1. Preparação para controlar epidemias virais:

Nenhum dos dois governos federais levou a sério a COVID-19 e organizou equipes capazes de planejar e executar resposta a emergenciais causadas pelo Coronavírus, apesar de ambos terem experiência acumulada por terem enfrentado outras como a da AIDS, nos anos 80-90, e Síndrome Respiratória Severa Aguda, nos anos 2000.

2. Negacionismo da gravidade ou até existência da doença:

Desde a divulgação dos primeiros casos de COVID-19 na China, os dois presidentes nunca consideraram a infecção pelo Coronavírus como ameaça grave à saúde, classificando-a como “gripezinha” ou só grave para idosos. Tanto Bolsonaro como Trump sempre negaram fatos ou achados científicos sobre a doença, atacaram cientistas que desmentiram as “fake news” divulgadas diariamente por ambos via Twitter e Facebook e trataram de encontrar médicos ou profissionais desqualificados para apoiar suas mentiras.

  3. Oposição entre controle da pandemia e economia:

Os dois presidentes insistiram em opor o crescimento da economia ao controle da pandemia, isto é, afirmaram com frequência que a economia era prioritária sobre o controle da pandemia. Resistiram a apoiar o fechamento do comércio e da indústria quando era fundamental diminuir a circulação de pessoas e defenderam a reabertura precoce da economia quando o vírus ainda circulava sem controle nas comunidades, principalmente nas de baixa renda, com suas particularidades raciais e étnicas nos dois países (negros, latinos, indígenas e brancos pobres). O Congresso e Senado do Brasil e EUA travaram luta acirrada contra o Executivo para aprovar a renda emergencial que garantiu a sobrevivência temporária de centenas de milhões de trabalhadores.

  4. Partidarização do controle da pandemia:

Como se tratava de vírus novo foram necessárias muitas pesquisas em todo o mundo para compreender a transmissão de pessoa a pessoa e assim reduzir o número de casos e mortes. Não havendo cura nem remédio para tratar a COVID-19, o distanciamento físico mínimo de 2 metros, o uso de máscaras, e a desinfecção de ambientes e das mãos são as únicas medidas eficazes para reduzir a transmissão do vírus. Tanto Trump quanto Bolsonaro se recusaram a usar máscaras e estimularam seus seguidores a fazer o mesmo. Esta postura tornou o uso de máscaras questão partidária, já que os dois presidentes associaram o uso de máscara aos partidos de oposição. Assim, quem usava máscara era dito de oposição, quem não usava era patriota por apoiar o governo.

Esta partidarização levou a que muitos governadores e prefeitos entrassem em rota de coalizão com os governos federais, que boicotaram as corretas medidas sanitárias adotadas por vários governadores e prefeitos, além de dificultar a liberação de recursos. 

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