Cargas retidas em portos, navios sendo redirecionados, contratos suspensos e reuniões emergenciais entre governo, empresas e diplomatas. A reação brasileira ao tarifaço anunciado pelos Estados Unidos ganhou corpo nos últimos dias, com articulação envolvendo diferentes setores da economia e esferas de poder. Com o tempo correndo, o esforço se concentra na contenção de danos — mas, nos bastidores, o foco é evitar que a medida entre de fato em vigor no próximo 1º de agosto.
A Confederação Nacional da Indústria estima que mais de 110 mil empregos estejam ameaçados no país, enquanto empresas dos setores de alimentos, bebidas, papel e celulose já enfrentam entraves logísticos com mercadorias paradas ou retornando ao ponto de origem. Há um pedido formal, encaminhado por entidades empresariais, por um adiamento de 90 dias na implementação da tarifa, com o objetivo de abrir espaço para negociação e evitar o colapso de contratos firmados com parceiros americanos.
Foi nesse ambiente de urgência que o governo brasileiro — por meio do vice-presidente Geraldo Alckmin e do chanceler Mauro Vieira — enviou carta oficial à Casa Branca classificando a medida como injusta e injustificável. Argumenta-se, com dados, que o Brasil acumula déficit na balança comercial com os EUA, e que a decisão trará impactos negativos também para empresas e consumidores americanos. O suco de laranja, o café, a carne e até a celulose brasileira chegarão mais caros às mesas e prateleiras dos Estados Unidos. Isso significa inflação, perda de competitividade e pressões internas sobre o próprio presidente americano.
É nesse ponto que o nó se complica — e se revela político. A medida tarifária foi anunciada por Donald Trump na semana passada, com base na alegação de “práticas desleais” por parte do Brasil. Mas o que de fato está por trás do gesto é a insatisfação com decisões recentes do Supremo Tribunal Federal, especialmente no que diz respeito à regulação das big techs e ao andamento do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro. Trata-se de um terreno em que o Executivo brasileiro não pode — nem deve — atuar. O STF é autônomo e constitucionalmente blindado de interferências externas, sejam elas domésticas ou internacionais.
Ainda assim, a retaliação veio. E agora, o Escritório do Representante de Comércio dos EUA (USTR) abriu formalmente uma investigação contra o Brasil, levantando uma série de alegações que vão de subsídios ao setor de etanol a temas como corrupção, desmatamento e regulação dos meios de pagamento digital. A intenção, segundo analistas, é criar um amparo jurídico para sustentar a tarifa e evitar disputas comerciais na OMC.
Nesse tabuleiro, o Brasil se vê desafiado a responder com firmeza, mas sem romper canais de diálogo. Está em avaliação o uso da recém-aprovada Lei de Retaliação Comercial, que permitiria tarifar produtos americanos. Mas, mais do que retaliação, o que se busca é racionalidade. Afinal, os efeitos da decisão americana já são sentidos dos dois lados — e tendem a se aprofundar se não houver recuo.
Resta, agora, ampliar a conscientização dentro dos próprios Estados Unidos. São empresas, associações comerciais e consumidores que precisam pressionar Trump para que reveja a decisão. Se o problema é político, a resposta precisa ser econômica. E se o custo recair sobre o bolso americano, talvez a Casa Branca comece a ouvir com mais atenção.