A reaproximação entre Lula e Donald Trump não é apenas um telefonema diplomático. É o maior reposicionamento estratégico na relação Brasil e Estados Unidos desde o tarifaço e uma inflexão que desmonta, em tempo real, parte do projeto político da extrema direita brasileira. A conversa de 40 minutos foi menos sobre tarifas e crime organizado e mais sobre quem perde força quando adversários improváveis decidem cooperar.
O diálogo ocorre num momento em que o tarifaço, criado por Trump como arma de pressão comercial e política, começa a ser desmontado. Nas últimas semanas, Washington retirou 238 produtos da lista de sobretaxas, do café à carne bovina, num movimento que reduziu de 36 por cento para 22 por cento o peso das tarifas sobre as exportações brasileiras. Lula agradeceu, mas fez questão de pressionar. Disse que o Brasil quer avançar rápido e que a retirada parcial não encerra o assunto, especialmente porque setores industriais de maior valor agregado continuam sob impacto direto e têm menor capacidade de desviar produção para outros mercados.
Esse é o pano de fundo econômico, mas não é o que molda a política do momento. O que realmente importa é o gesto. A Casa Branca só iniciou a flexibilização do tarifaço depois do encontro entre Lula e Trump na Malásia, em outubro, seguido por contatos mais discretos entre as equipes. A narrativa do isolamento brasileiro, alimentada pela oposição, perde sustentação quando o próprio Trump decide reabrir a porta.
No segundo eixo da conversa, Lula insistiu na cooperação contra o crime organizado internacional. Citou investigações que expuseram redes de lavagem de dinheiro operando via Delaware, incluindo um esquema que movimentou 1,2 bilhão de reais. O ministro Fernando Haddad já vinha pressionando por coordenação direta com os Estados Unidos para enfrentar evasão e repatriação fraudulenta de recursos. Trump respondeu com disposição total para colaborar. Não é trivial. Há poucos meses, o governo dos Estados Unidos flertava com classificar facções latino-americanas como organizações terroristas, discurso amplificado no Brasil por setores da direita que defendiam enquadrar o PCC e o Comando Vermelho nesse rótulo.
Quando o presidente norte-americano abandona a lógica da estigmatização e passa a falar em cooperação técnica, a estratégia de parte da oposição desaba. A expectativa de que Trump usaria tarifas, sanções e selos de terrorismo como instrumentos de pressão contra o governo Lula e de proteção política a Jair Bolsonaro perde qualquer aderência. A leitura de que Trump seria o fiador internacional do bolsonarismo já vinha perdendo força, mas o telefonema desta terça desmonta de vez essa projeção.
Para o campo bolsonarista, o constrangimento é evidente. Trump já havia chamado o processo de condenação de Bolsonaro de caça às bruxas, e Eduardo Bolsonaro construiu capital político nos Estados Unidos apresentando-se como ponte orgânica com o trumpismo. Quando Lula e Trump reassumem o protagonismo bilateral e produzem resultados concretos, esse capital desvaloriza. A oposição perde a narrativa de que o Brasil estaria isolado ou em rota de colisão com Washington e perde também a ideia de que Trump usaria a relação para intervir no debate interno brasileiro.
O movimento tem efeitos práticos, mas seu impacto é simbólico. Trump e Lula não são aliados naturais. O que torna o telefonema relevante é justamente o fato de que, apesar das diferenças evidentes, ambos decidiram priorizar resultados. Tarifas podem cair. Investigações podem ser compartilhadas. A cooperação contra o crime pode ganhar escala. Tudo isso interessa aos Estados, não aos conflitos ideológicos que dominaram o debate recente.
Da conversa sai um recado nítido. Para Washington e para os mercados, o Brasil se apresenta como um ator pragmático, capaz de negociar em momentos de divergência e de fechar acordos em cenários adversos. Para a extrema direita, a mensagem é mais dura. A aposta em retaliações de Trump e em listas de terroristas feitas sob encomenda perdeu o momento histórico. Com Lula e Trump conversando diretamente e sem intermediários ideológicos, a crise bilateral deixa de ser instrumento político. O jogo vira e, nesta nova fase, a normalidade possível é tensa, mas funcional. E, para quem lucrava com o colapso, isso é um problema.










