Quando uma mulher é espancada

Durante o meu ativo trabalho com sobreviventes de violência doméstica, bem como atualmente fazendo palestras sobre o tema, ocorre-me pensar na razão pela qual um ser humano permanece em situação de abuso, risco e violência até as últimas consequências. Encontro duas diferentes respostas ou explicações, uma versão científica e uma versão romântica, mas estou aberta para quaisquer outras considerações.

A primeira resposta ou explicação vem do texto de Freud: Uma Criança é Espancada, ou seja, a fantasia de prazer relacionada com ela…” (Uma Criança é Espancada, Obras Completas de Sigmund Freud, Vol XVII pg 195.) A segunda resposta, romântica, vem da minha própria experiência de trabalho: um indivíduo não se une ao outro, mas se une à uma fantasia, ao sonho de felicidade que o outro representa e a expectativa de que o outro vai lhe completar, ou preencher as suas faltas, ou melhor dizendo, preencher o que lhe falta.  Essa fantasia talvez seja proveniente dos finais das estórias infantis: “e foram felizes para sempre”.

Não podems citar o trabalho de Freud sem nos referir “ao prazer relacionado à fantasia de espancamento deveria ser descrito como sádico ou como masoquista…. Um traço  primário de perversão”. Os termos sadismo e masoquismo se referem ao Marquês de Sade e ao Barão Sacher von Masoch.  “Krafft-Ebing usou o termo no específico sentido para se referir a perversão sexual onde a satisfação sexual dependia em infligir a dor ao outro (sadismo) ou à expediência de causar dor em si mesmo (masoquismo)”.

Nos Três Ensaios da Teoria da Sexualidade (Obras Completas de Sigmund Fred, Vol. VII), Freud nos ensina que a conecção entre sadismo e masoquismo são simplesmente  aspectos de “ativos e passivos”, da mesma perversão que estão intimamente ligados. Masoquismo é explicado no Freud Dictionary of Psychoanalys como o prazer pela dor, relativo ao sentimento de culpa na maioria das vezes inconsciente, que so é descoberto atrás do processo de psicanálise.

Masoquismo é entendido em Freud como uma posição da estrutura feminina, uma transformação do sadismo. O sadismo por sua vez corresponde a um componente agressivo do instinto sexual, que se torna independente e exagerado pelo deslocamento das emoções. O conceito de sadismo pode ser uma mera atitude impetuosa em busca de gratificação ou satisfação do desejo através da submissão e maltrato do outro.

Ainda lendo Freud, (Obras Completas de Sigmund Fred, VOL XVII) “depressa se aprende que ser espancado, mesmo que não doa muito, significa uma privação de amor e uma humilhação. E muitas crianças, que se acreditam seguramente entronadas na inabalável afeição dos pais, foram de um só golpe derrubadas de todos os céus da sua onipotência imaginária. A fantasia portanto, tornou-se masoquista. A fantasia da criança de ser espancada pelo pai permanece, via de regra inconsciente, provavelmente em consequência da intensidade da repressão … e só pode ser reconstruída no decorrer da análise”.

O escritor explica ainda que “na fantasia  masculina – como a chamarei sumariamente e, espero, sem qualquer risco de ser mal interpretado – o ser espancado também significa ser amado… Estou sendo espancado pelo meu pai, mas antes, sou amado pelo meu pai….” Penso que esse parágrafo com tantas citações Freudianas é a tentativa de me fazer compreender, mas reconheço que fica muito complicado para o leitor seguir esse raciocínio se nunca leu os escritos de Freud, estudou psicologia, e/ou  se submeteu ao processo de psicanálise.

Falemos agora da segunda resposta ou do que chamo de explicação romântica da pergunta por que permaneço no abuso. É essa versão que apresento em conferências sobre violência doméstica, já que as explicações Freudianas não são entendidas pela população em geral. Como disse no primeiro paráfrago da minha introdução, nos casos de violência doméstica que atendi e trabalhei, 98% das minhas clientes foram mulheres.

A mulher se casa com o sonho ou fantasia do príncipe encantado: ela planeja sua festa, seu vestido de noiva, fotos, cortejo na cerimônia e a lista segue infindável. Quando o “príncipe vira sapo”, a mulher não quer enxergar a realidade de que não existe um “foram felizes para sempre”. O melhor seria conhecer e aceitar o dito de Vinicius de Moraes: “que seja eterno enquanto dure.”

Sim, na maioria das vezes o amor, a paixão tem fim. A mulher tenta até a exaustão, e mesmo até a morte, para não encarar o fracasso da sua fantasia. A mulher casa também com o “em torno”, família, amigos, igreja e comunidade. A separação dos amantes é uma sucessão de perdas equivalente a morte emocional. E é contra essa morte emocional que a sobrevivente luta até as últimas consequências.

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