Os Estados Unidos, de modo geral, e a Grande Boston, em particular, têm atraído brasileiros há diversas décadas, que buscam aqui se estabelecer à procura de oportunidades. De meados dos anos 80 até meados da década de 90, a crise econômica do Brasil foi responsável pela saída de muitos brasileiros para os Estados Unidos.

Porém, a partir de 2010 o Brasil começou a atrair imigrantes de origens não antes vistas, e se inseriu no cenário migratório internacional de uma forma diferente. Embora muitos brasileiros ainda continuem deixando o país, o Brasil também passou a receber imigrantes senegaleses, ganeses e, sobretudo, haitianos.

Diversos fatores contribuíram para essa entrada desses imigrantes, mas o fator principal foi a recuperação econômica do Brasil entre os anos 2004 e 2008. Naqueles anos, a produção e a oferta de empregos cresceram e a construção civil intensificou suas atividades, demandando mais trabalhadores. Justamente naquela época, a mão-de-obra de baixa qualificação pode de financiar o estudo superior no Brasil, através de programas como o Fundo de Financiamento de Estudantes do Nível Superior (FIES). Como resultado, muitos jovens brasileiros optaram pela universidade ou graduação tecnológica, e não se candidatram para cargos de menor qualificação. Os imigrantes que começaram a chegar ao Brasil ajudaram a preencher esta lacuna, trabalhando na construção civil e na indústria.

Os haitianos lideraram esta migração para o Brasil porque foram atraídos pelas oportunidades de trabalho ao mesmo tempo em que o terremoto de 2010 devastou a fraca economia do Haiti. O governo brasileiro facilitou a entrada desses imigrantes, concedendo vistos para eles trabalharem e viverem no Brasil, eliminando o temido risco de deportação. Assim, a migração haitiana para o Brasil tornou-se atrativa: o Haiti os expulsava, a economia brasileira os demandava, e o visto para o Brasil oferecia risco mínimo para o projeto migratório.

Segundo dados do Conselho Nacional de Imigração e da Polícia Federal, mais de 77 mil haitianos entraram no Brasil entre 2012 e 2016. O fluxo de haitianos foi concentrado e cresceu muito rapidamente naqueles cinco anos. Os registros mostram que, em 2012, pouco mais de 4.000 haitianos entraram no país, enquanto em 2016, foram mais de 40.000.

Esse aumento foi provocado, em grande parte, pelo incentivo que os primeiros imigrantes exerceram sobre seus parentes, amigos e conhecidos, que podiam contar com o apoio logístico, financeiro e emocional dos que migraram antes. O interesse pelo Brasil foi tão grande que o número de vistos semanais concedidos aos haitianos no Consulado Brasileiro em Porto Príncipe não foi suficiente para atender à grande demanda para imigrar para o Brasil. Então, eles passaram a utilizar uma forma alternativa de entrada no país, que consistia em solicitar refúgio na fronteira do Brasil com o Acre.

Os haitianos viajavam de avião, chegavam ao Equador e, em seguida, iam por várias semanas de ônibus, taxi e barco, até chegarem à fronteira brasileira. No trajeto, contavam com a “ajuda” de coiotes, que passaram a agir, sobretudo, no Peru. Com o tempo, a consolidação dessa rota na América do Sul atraiu a atenção de imigrantes de outras nacionalidades, como ganeses e senegaleses, que passaram a buscar refúgio no Brasil utilizando o mesmo trajeto percorrido pelos haitianos.

Este movimento migratório consolidou então uma rede de migração na América do Sul, semelhante a que já atua nos Estados Unidos há várias décadas. Embora na América do Sul o número de imigrantes envolvidos seja menor e suas nacionalidades menos variadas, o mecanismo de funcionamento é semelhante Essa rede mostra a tendência dos fluxos migratórios internacionais de atrair diferentes nacionalidades para uma mesma rota, bem como o interesse que a travessia desperta naqueles que tentam “lucrar” com a concretização dos sonhos dos imigrantes.

Até bem pouco tempo atrás, essa realidade era conhecida pelos imigranttes brasileiros para os Estados Unidos. Hoje, o próprio Brasil passou a fazer parte deste sistema, como local de destino de imigrantes de outros países, que buscam atravessar as fronteiras brasileiras em busca de uma vida melhor.

*Texto de Patrícia Rodrigues Costa de Sá, doutoranda pela PUC Minas Gerais, Pesquisadora Visitante na UMass Boston.