Deslumbramento tira nossa humanidade e arruina as relações

Fabiano F.

deslumbramento (1)

Vivemos em uma era em que um comportamento distorcido e muito nocivo nos ronda e nos seduz constantemente: o deslumbramento. Partindo do princípio de que o público e o privado se confundem, e os limites e autolimites são desrespeitados a todo momento, é muito fácil se deslumbrar com a possibilidade de fazer sucesso rápido, obter aplausos, popularidade, aprovação imediata, curtidas e afins.

Não é fácil separar o joio do trigo. Todos estamos expostos como nunca antes. E não tem outro jeito: a pós-modernidade insistentemente nos captura para algum grau de exposição. Com isso, sem perceber, buscamos neuroticamente a aprovação dos outros, o amor incondicional, o perdão infinito a qualquer deslize e, por isso mesmo, toda e qualquer possibilidade de redenção nos joga diretamente para a sedução do deslumbramento.

Estamos nos endeusando, tornando-nos troféus e tirando nossa capacidade de olhar as coisas por um viés mais objetivo, real e humano. Tudo vira motivo de pirotecnia, de exaltação, méritos e glórias, mesmo sem uma sustentação realmente sólida. Tem muita gente confundindo informação com formação. Ambas são essenciais, é claro, mas só a informação fragiliza nosso discurso. Precisamos de formação de verdade, aquela que inclui estudar anos a fio, ler muito, refletir, experimentar, concatenar ideias e produzir pensamentos e ações consistentes.

As redes sociais vieram para cortar caminhos, oferecer atalhos. Como aceitam tudo e todos incondicionalmente (afinal, nada é de graça: para os algorítimos somos apenas números e potenciais consumidores), elas permitem que nos tornemos personagens editados para agradar e conquistar.

O assunto é delicado e complexo. Sempre pego-me questionando se a maneira como mostro meu trabalho e um pouco da minha vida pessoal está em uma dose condizente com o que vivo, com os meus valores e com quem eu sou de verdade. Na hora de apertar o “postar” e fazer o “upload” surgem as dúvidas, muitas dúvidas. Mas fico um pouco mais aliviado por saber que, mesmo errando, pelo menos antes faço um pequeno exercício, uma reflexão. Às vezes, acerto, outras vezes erro, e outras tantas fico desconfortável quando, tempos depois, percebo que agi com certo deslumbramento.

Nem sempre compartilhar nossa vida e nossos projetos e ideias nos levam ao deslumbramento. Mas, vez ou outra, confundimos-nos, pois, de tanto absorver o conteúdo dos outros (o brasileiro é o povo que mais dedica tempo às redes sociais no mundo), embrenhamos-nos no tal inconsciente coletivo. Sem perceber, vamos reproduzindo a mesma pegada da maioria e acabamos “entrando na onda”. É aí que mora o perigo. Mas o que fazer, então? A solução seria fechar a conta do Facebook, banir o Instagram ou sair de vez do WhatsApp?

Podemos (e deveríamos) fazer bom uso das ferramentas tecnológicas. Talvez o caminho seja pensar “dez segundos a mais” antes de clicar o OK para a postagem, respirar fundo e questionar o quanto aquela exposição pode contribuir ou não com a própria imagem. Apesar de que os outros sempre vão pensar com seus filtros e nos julgar, sem levar em conta quem somos na realidade.

Ou talvez não precisemos nada disso. Então, seria só dar menos importância ao que vemos, lemos e ouvimos. Ao relativizar, o impacto dos conteúdos produzidos a toque de caixa fica menor e podemos seguir nossas vidas que, afinal de contas, são bem reais. E ser humano, real e simples ainda é a melhor coisa que existe.

Fabiano F. é jornalista e autor de livros de autodesenvolvimento, como o “Enfrente”, de onde este texto foi extraído. Email: fabianoescritor@gmail.com

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V12 - 2019 | Nº 78
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