Viver em Nova York, com seus contrastes culturais e políticos, sempre foi uma experiência enriquecedora para mim e para meus filhos. Como mulher, latina, cidadã norte-americana e mãe de crianças nascidas aqui, percebo que nossas escolhas, políticas e de valores, são profundamente moldadas pelo ambiente em que vivemos e pelas experiências que temos. Por isso, quando se aproximaram as últimas eleições presidenciais dos Estados Unidos, as conversas com meus filhos tomaram um rumo diferente: eles começaram a questionar não apenas sobre os candidatos, mas sobre os princípios que moldam nossas decisões e nosso papel como cidadãos em uma democracia. Para mim, como jornalista e como mãe, essa reflexão sobre o voto é inevitável. Ao explicar a eles o porquê do meu apoio à Kamala Harris, eu estava, na verdade, lhes transmitindo mais do que uma opinião política; estava compartilhando um conjunto de valores que, para mim, são inegociáveis.
Como mulher, latina e imigrante que se naturalizou cidadã dos Estados Unidos, minha visão sobre as eleições de 2024 foi indissociável da minha própria trajetória e daquilo que acredito ser o papel de uma liderança verdadeira e responsável. E é impossível ignorar o histórico de Donald Trump, especialmente para mim e minha família, que representamos a diversidade e os desafios que muitos imigrantes enfrentam neste país. Não poderia, sob nenhum princípio, apoiar alguém cujas ações e atitudes claramente desrespeitam os direitos humanos e os valores que defendo. Donald Trump, durante sua presidência, foi acusado de comportamento inadequado e abusivo em várias ocasiões. Há várias mulheres que o denunciaram por assédio sexual, e os relatos de estupro e abuso estão documentados. O escândalo envolvendo o pagamento para silenciar a atriz, Stormy Daniels, apenas reforçou essa imagem de um homem que usa seu poder para silenciar a verdade e agir de maneira imoral. Esses não são apenas rumores ou acusações, mas fatos que foram amplamente investigados e comprovados. E repito, como mãe, mulher, e cidadã, jamais poderia apoiar alguém cujos valores tão evidentemente colidem com os princípios que venho ensinando aos meus filhos — respeito, dignidade e igualdade.
Além disso, Trump construiu entre 2016 a 2020, uma presidência marcada pela retórica divisiva, que muitas vezes alimentou o racismo e a xenofobia. Suas políticas de imigração, como a separação de famílias na fronteira e a deportação em massa de imigrantes, afetam diretamente pessoas como eu, que, apesar de ser cidadã, sou parte de uma comunidade que frequentemente se vê atacada. Ele contribuiu para a criação de um clima de intolerância que prejudica as comunidades imigrantes, como a minha, e mina a solidariedade que deveria existir entre todos os cidadãos, independentemente de sua origem.
Por outro lado, ao apoiar Kamala Harris, vejo não apenas uma mulher, mas uma líder com uma história sólida de defesa dos direitos civis, da igualdade de gênero e da justiça social. Kamala representa a promessa de um país onde a diversidade não é apenas reconhecida, mas celebrada. Ela não só fez história como a primeira mulher, primeira mulher negra e primeira mulher de ascendência asiática a ocupar o cargo de vice-presidente, mas também tem sido uma defensora ativa das comunidades marginalizadas, incluindo os imigrantes. Seu compromisso com políticas inclusivas e com a proteção dos direitos civis é o que, como mãe, me faz acreditar que ela era a melhor opção e a líder que os Estados Unidos e o mundo precisavam.
A decisão de votar em Kamala foi mais do que política para mim. Como jornalista, minha responsabilidade é analisar os fatos e os impactos das ações de um líder. E ao explicar para meus filhos o porquê do meu voto, não se tratava apenas de escolher um partido ou uma candidata. Estava compartilhando com eles a importância de votar com base em valores que transcendem a política do momento. Ensinei a eles que o voto é, acima de tudo, uma afirmação de quem somos e do que acreditamos. Que eu sou mãe de dois meninos, e que, embora não tenha filhas, é fundamental ensinar aos meus filhos que certos comportamentos e falas não são permitidos. Eles precisam entender que as mulheres devem ser respeitadas em sua dignidade e autonomia. Ensinei-lhes que não podemos tocar em ninguém sem o consentimento da pessoa, mas também que ninguém — nem mesmo um político ou uma figura de autoridade — tem o direito de decidir o que uma mulher pode ou não fazer com seu próprio corpo. Esses são os princípios que guio em minha vida, e é isso que quero que meus filhos carreguem como lições para o futuro.
Moro aqui há quase 17 anos, mas tenho raízes e uma identidade que se estende além das fronteiras dos Estados Unidos. Como imigrante naturalizada, entendo o valor da liberdade, da oportunidade e da luta pelos direitos civis. Como mãe, quero que meus filhos cresçam em um país que promova esses mesmos valores — respeito pela dignidade humana, inclusão, igualdade de direitos e, principalmente, um futuro onde todos tenham a chance de prosperar, independentemente de sua origem. Votar em Kamala Harris não foi apenas uma escolha política, mas um reflexo do meu compromisso com esses valores. Ao conversar com meus filhos sobre isso, espero que eles tenham compreendido a importância de fazer escolhas conscientes, alinhadas com os princípios que norteiam uma sociedade justa e solidária. E que, quando forem chamados a votar em breve, possam tomar decisões que respeitem a dignidade de todos e contribuam para um futuro mais igualitário e humano para todos.
Os americanos, de certa forma, não valorizam plenamente a democracia porque a possuem como um privilégio há mais de 200 anos, sem grandes interrupções em seu exercício. Para muitos, a democracia é vista como algo garantido, quase como um dado natural, algo que sempre esteve presente e que, portanto, não precisa ser constantemente defendido. Ao contrário, países como o Brasil, que viveu sob uma ditadura militar até a década de 1980, têm uma compreensão muito mais aguda do valor da liberdade e da democracia. No Brasil, ainda há muitas pessoas que viveram na pele as restrições de uma regime autoritário, a censura, e as atrocidades da tortura, e essas memórias são um lembrete constante do que é perder a liberdade de expressão e os direitos civis. Nos Estados Unidos, o povo só começará a valorizar verdadeiramente a democracia quando ela for ameaçada de forma concreta ou quando perder o privilégio de votar, algo impensável para muitos até agora. O desafio está em fazer com que as pessoas reconheçam que a democracia precisa ser preservada e defendida, antes que ela deixe de ser uma garantia inquestionável.
Na minha casa, não se trata apenas de política, mas de formar cidadãos responsáveis, conscientes e comprometidos com um mundo mais justo. E acredito que essa é uma mensagem que transcende qualquer eleição. Agora, como uma cidadã que respeita a democracia, as regras e as leis, aceito o resultado das eleições, apesar de não compreender como alguém como Trump foi escolhido pela maioria para liderar uma das maiores potências mundiais. Só nos resta torcer e rezar para que os próximos quatro anos sejam prósperos e economicamente bem-sucedidos. No entanto, não posso deixar de refletir sobre o fato de que os Estados Unidos ainda não estão prontos para ter uma mulher negra e asiática na liderança. A maioria mostrou que não está disposta a confiar o poder a uma mulher, e a supremacia branca mais uma vez evidenciou que, para ela, a mulher preta e a minoria ainda precisam se levantar para dar lugar ao homem branco. É um cenário que me faz lembrar da década de 1960, quando a segregação racial era uma realidade nos EUA, e as lutas pela igualdade ainda estavam sendo travadas, muito embora esse passado doloroso ainda reverberasse nas escolhas do presente. Em muitos aspectos, ainda estamos enfrentando os mesmos desafios de uma história que não se pode apagar, e os retrocessos são cada vez mais evidentes.