Um conto: A Narcisista

A palavra “narcisismo” vem da lenda grega que conta que um menino chamado Narciso se enamorou de sua própria imagem refletida nas águas de um lago, e no lago fica embevecido, até a sua morte.  O termo narcisismo primeiramente apareceu nos trabalhos escritos por Freud em 1910. Segundo Ernest Jones (1955, 388) “numa reunião da Sociedade Psicanalítica de Viena, a 10 de novembro de 1909, Freud havia declarado que o narcisismo era uma fase intermediária necessária entre o auto-erotismo e o amor objetal”.

Em 1914 o conceito do narcisismo passou a ser muito importante para Freud, no desenvolvimento da psicanálise. Freud define o narcisismo como “um investimento da libido na formação do ego, que se opõe ao objeto do amor”. Lacan define o narcisismo como uma atracão erótica à imagem do espelho. O narcisismo tem dois caraters: erótico e agressivo. É erótico como mostra o mito de Narciso, desde que o sujeito fica fortemente ligado a imagem…. Para expressar o fato do carater erótico-agressivo  do narcisismo que dá ênfase a imagem do espelho e que leva o indivíduo a autodestruição. Segundo o dicionário, a relação narcisista constitui a relação da dimensão imaginaria nas relações humanas.

Um conto: A Narcisista

No texto fictício, Agatha era uma mulher muito bonita. Aos 32 anos, cuidava-se bem: corpo esbelto, ótima saúde, rosto e olhar resplandecentes. Casada, tinha uma filha, Roberta, agora com oito anos, que lhe dava uma sensação de completude, de plenitude. A concepção de Roberta aconteceu inesperadamente, pois Agatha não pretendia engravidar nunca, por medo de perder as “formas físicas.” Diante da insistência de Angelo, marido de Agatha, ela manteve a gravidez. A família residia em uma grande casa, cercada de lindos jardins. Angelo, era um bem sucedido empresário do setor financeiro, orgulhoso do seu trabalho, da sua família tradicional e da beleza, elegância e inteligência de Agatha. Angelo sentia enorme prazer em satisfazer quase todos os  caprichos de Agatha.

Estava Agatha no final da tarde e início de uma noite de Primavera, diante do espelho se arrumando cuidadosamente para ir à uma festa, tarefa que lhe exigia algumas horas. Roberta, ciumenta e ávida por atenção,  brincava ao redor da mãe e vez por outra a interrompia e importunava com alguma queixa, alguma pergunta. Agatha, tao entretida estava diante do espelho, que não via ou escutava as demandas da filha. Como Narciso, apenas contemplava a sua beleza e perfeição, ao se aprontar para o evento, que compareceria dentro de hora.

Agatha já estava quase pronta. Faltava apenas um pequeno retoque no cabelo, vestir o vestido novo cuidadosamente passado a ferro, que esperava no cabide do closet, calçar os sapatos e pegar a bolsa. Procurou o sabonete para lavar as maos antes de colocar as maravilhosas jóias, e como não o encontrou na pia do lavabo, (certamente Roberta o havia pego para brincar) encaminhou-se até o boxe do banheiro. Eis que, nesse exato momento, Roberta entra no banheiro chorando, com sua boneca favorita na mão e toda suja de tinta, que caíra em cima dela, enquanto brincava. Sem prestar atenção,  talvez pela pouca idade que tinha ou mesmo por um ato falho ou ate pelo desespero por falta da atenção materna, Roberta abre a torneira do chuveiro e molha Agatha por inteiro.

Num acesso de fúria incontrolável, Agatha grita, chora, esbraveja e surra Roberta, com toda força e raiva de um adulto frustrado. Roberta chora apavorada, pede desculpas e sai correndo das garras da mãe. Angelo, que ja estava em casa esperando Agatha para irem à festa, intercede em favor da filha, o que deixa Agatha ainda mais irritada e agressiva. Sem ter mais o que fazer, Agatha  recomeça o seu ritual de beleza bastante irritada. Chegará atrasada na festa e perderá os detalhes iniciais do evento, além de que perderá certamente a mesa previamente reservada. Uma hora depos do ocorrido e com a tarefa da beleza terminada, Agatha desce as escadas da sua mansão. Com certeza será a mulher mais linda e mais bem arrumada da festa.

Angelo segue para se despedir de Roberta. Agitado, Angelo retorna do quarto da filha com um bilhete na mão, onde se lê: “minha mãe, fui embora com minhas bonecas. Adeus, Roberta.”  A empregada da casa explica que teria visto Roberta sair com uma sacolinha na mão e dois pacotes de biscoito. Pensou a empregada que Roberta teria ido brincar com uma amiguinha e vizinha.

Mas, o caminho de Roberta foi outro: saiu chorando baixinho, abriu o portão da mansão e tomou a direção do ponto de ônibus. O primeiro veículo não demorou a aparecer. Roberta ascenou com a mãozinha miúda e o motorista parou. Roberta seguiu no ônibus sem saber para onde iria.

Agatha lê o bilhete da filha, respira fundo e lembra que já esta muito atrasada para a festa. Pensa que quando retornar do evento, tomará providências necessárias para encontrar a filha. Angelo nem pensa em contrariar Agatha. Saem ambos pela porta dianteira da casa, onde o motorista os espera. Entra com toda a pompa de rainha no carro, seta-se no assento trazeiro em diagonal ao motorista, como manda a etiqueta  e ordena: “Vamos rápido! Já estamos atrasados para a festa.”

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