Novo ano, novas esperanças, velhos problemas

Eduardo Siqueira

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O ano de 2019 chegou e com ele várias expectativas positivas. Sempre queremos que coisas boas aconteçam, um mundo melhor para que possamos viver bem com nossa família e amigos. O que significa um mundo melhor? Qual é o sentido de viver bem? É ter casa, comida, saúde, educação, trabalho, dinheiro, amigos, um ambiente limpo, estar em paz? Será que no “mundo melhor” e no “viver bem” incluímos outras pessoas, aquelas que compartilham o mesmo espaço, o mesmo país? Ou nossos pensamentos giram só em torno de nós mesmos e de nossos desejos?

Essas perguntas são importantes nesse momento em que o Brasil está com uma nova equipe de governo e grandes mudanças estão ocorrendo. Como pensar em um mundo melhor quando, no primeiro dia do mandato, o novo Presidente da República assina uma medida provisória (MP 870, 01/01/2019), na qual consta a extinção de diversos ministérios, dentre eles o do Trabalho, o do Desenvolvimento Social, o da Segurança Pública, o da Cultura, o do Esporte, realocando suas atribuições para outros ministérios; e o esvaziamento das atividades da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), vinculada ao Ministério da Justiça?

Como essas mudanças reduziram o número de ministérios, mas as atribuições permaneceram, muitos brasileiros podem considerá-las um avanço, pois haverá redução de gastos públicos e, possivelmente, da burocracia governamental. Porém, precisamos ponderar que ao eliminar uma pasta de governo as atividades são redistribuídas entre diversas secretarias e ministérios, fragmentando e diminuindo o poder decisório de cada instância; os recursos financeiros e investimentos para a execução das tarefas diminuem consideravelmente, dificultando o trabalho das equipes; o tema perde importância dentro da pauta governamental; e a participação social torna-se um desafio.

Por exemplo, uma das tarefas da FUNAI é receber demandas e realizar estudos antropológicos e geográficos para fins da identificação e demarcação de terras indígenas. No entanto, o atual governo passou a FUNAI para o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos e delegou a tarefa de demarcação para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Pesca. Essa mudancá se mostrou um contrassenso na medida em que o Ministério da Agricultura não tem estrutura e capacidade jurídica para constituir e monitorar os processos de demarcação; e mais ainda, nos últimos anos esse ministério tem sido conduzido pela bancada do agronegócio, ou seja, grupo de políticos e empresários que historicamente lutam contra o direito dos indígenas sob seus territórios tradicionais.

A tendência do governo federal é a retomada da política integracionista executada no regime militar, que defendia a incorporação do índio à sociedade brasileira a fim de possibilitar o “desenvolvimento nacional”. Para esse grupo as terras indígenas devem se tornar propriedade privada, pois isso facilitará sua venda para megacorporações e empresários, cujos interesses estão na exploração da terra e de seus recursos minerais e florestais. Em geral os lucros ficam com uma pequena parcela da sociedade, enquanto os ônus ambientais e sociais ficam para os índios e para população em geral.

Podemos pensar que a “integração” é boa para o índio, porque ele terá acesso à saúde, educação, trabalho, como todo cidadão brasileiro. Será que todos tem acesso? Acho que a realidade nas cidades nos mostra o contrário e com os indígenas seria ainda pior, devido ao racismo velado da nossa sociedade. Outra questão a ponderar é que pensamos sob o nosso ponto de vista e não o deles. É importante ouvir o que o indígenas querem!

Desmatamento, pulverização de agrotóxicos, assoreamento de rios, contaminação das águas por metais pesados, empobrecimento, violência, problemas de saúde, dificuldade de manter rituais e modos de viver particulares são alguns dos ônus enfrentados pelas populações indígenas atualmente e, provavelmente, nos próximos anos. Considero a MP um retrocesso no cumprimento dos direitos constitucionais dos índios e um desrespeito para com as especificidades no modo de viver desses povos. São medidas como essa que causam impactos profundos na vida das pessoas e acabam por nos afastar do objetivo de construir um “mundo melhor”. Emos que conhecer mais profundamente a realidade social e de saúde desses povos para nos posicionarmos frente às constantes ameaças de expropriação de suas terras e vidas, as quais perduram ao longo de séculos no Brasil.

*Texto de Silvia Gugelmin, pesquisadora visitante da UMass Boston. Professora do Departamenteo de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT).

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V12 - 2019 | Nº 78
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