Como sobrevivem as mães das crianças com Zika?

Eduardo Siqueira

A maioria das pessoas acham que a crise do Zika, primeiramente identificada pelo sistema de saúde do Brasil em 2015, já terminou. O governo brasileiro pronunciou o fim da crise em maio de 2017, cinco meses após anúncio similar da Organização Mundial da Saúde (OMS). O Zika é mais uma epidemia que chamou a atenção mundial, criou pânico temporário, e depois tudo parece ter voltado ao que era antes.

Contudo, até setembro de 2017, 14.558 crianças podem ter sido acometidas pela síndrome congênita do Zika (SZC); essas crianças apresentam diferentes problemas neurológicos e graves problemas de crescimento e desenvolvimento. Os cuidadores diretos dessas crianças geralmente são suas mães e familiares, que fazem grande número de  tarefas diariamente e se dedicam integralmente à criação delas, porque seus filhos têm necessidades especiais e um futuro incerto. Muitas dessas crianças provavelmente precisarão de cuidados especializados e caros por  toda a vida.

Algumas mães eram economicamente independentes antes, mas passaram a depender da ajuda do governo ou do salário dos maridos, se e quando esses têm emprego e não as abandonaram. Tal situação ocorre porque a epidemia do Zica atingiu áreas marcadas pela pobreza,  falta de saneamento básico e com muitas carências estruturais, ou seja, muitas das famílias com crianças afetadas pela SZC moravam em condições precárias e tinham poucos recursos.

Apesar da ajuda do governo e de outros tipos de ajuda, muitas das mães que cuidam dos filhos com SZC têm vida muito difícil e reclamam que a resposta do governo não está correspondendo às suas necessidades, no que são apoiadas por várias organizações locais e internacionais de direitos humanos.

O alto custo dos medicamentos, assim como das comidas especiais e dos equipamentos médicos, que não são proporcionados pelo governo, resultam em grande peso no orçamento familiar. Porém,  esses custos representam apenas os custos diretos. O Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (PNUD) afirmou em estudo de 2017 que os custos indiretos da microcefalia, incluindo perda de renda, são seis vezes maiores do que a ajuda do governo. O mesmo estudo concluiu que a maioria dos custos será pago pela população que já é marginalizada, isto é, a economicamente menos privilegiada, os jovens, e as mães solteiras negras.

As cuidadoras também sofrem grande perda pessoal. A alta demanda física de cuidar de uma criança com SZC tem feito que deixem outras ambições e relacionamentos para depois. Se o filho morre, o que está acontecendo, o que essas mulheres vão fazer?

Elas têm se dedicado tanto a estas crianças que não sabem viver sem elas. Até agora nenhuma das medidas providenciada pelo governo se direcionam  especificamente para ajudar as mães ou apoiar seus direitos. Tudo, desde o transporte gratuito até o salário mínimo, tem sido calculado levando em consideração o mosquito ou os bebês infectados – não as mães. Ao contrário do que a mídia retrata sobre a SZC e a microcefalia como trágicas incapacidades, muitas mulheres não lamentam sua condição e inclusive consideram seus filhos uma benção de Deus.

Existe necessidade de profunda resposta do governo para que os direitos dessas mulheres sejam preservados, incluindo as condições do meio ambiente, acesso à serviços de saúde e proteção social e financeira para viver e criar os filhos com dignidade. Pela forma como estão sendo tratadas, é evidente que as diferenças sócio-econômicas no Brasil favoreceram a expansão da  epidemia e a complicaram.

Enquanto novos casos de infecção por Zika estão por enquanto baixos e em declínio, famílias com SZC continuarão vivendo no anonimato no futuro. Com um transtorno das dimensões do SZC e sem a proteção social que lhes permitiria prosperar, pouco parece certo para essas famílias. Falou-se muito do mosquito, mas as mulheres e as crianças afetadas acabaram  pagando o pato. Esse é o triste quadro atual do Zika no Brasil.

*Ana Rosa Linde, PhD, é Pesquisadora Visitante na UMass Boston.

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